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Genética, trabalho duro e as Horas Voo - O que transforma uma criança em atleta?
Existe uma discussão que não acaba nunca, que é o questionamento do que cria grandes talentos esportivos. Genética ou trabalho duro?
Por Breno Bizinoto.
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Em esportes de performance, por vezes vemos um campeão conquistar títulos consecutivos e apresentar feitos que contrariam toda a física e capacidade humana. Sempre tem um espectador, ou atleta amador que, assistindo impressionado aquelas vitórias, comenta: "Pra fazer isso aí eu tinha que nascer de novo".
Interessante esse posicionamento - fica bem clara a crença de que nenhum trabalho duro e treinamento seria suficiente para construir aquela performance que se observa ali. Entende-se que seria necessário ter a genética daquele cara.
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Por vezes, insistimos em chamar de ETs ou defender a teoria reptiliana, com o intuito de deixar bem claro que aquele campeão está fazendo algo além da capacidade do ser humano. Acontece que a gente discute demais as teorias pouco importantes: trabalho duro, genética e até causas sobrenaturais com explicações extra-terrestres. Por outro lado, deixamos de discutir pontos mais importantes e sérios. Um deles, ao meu ver, chama-se "Horas Voo".
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Quanto tempo aquele super campeão passou em cima da bicicleta? Com que idade começou? Quantas horas acumulou em seu esporte e em outras atividades físicas paralelas? Quais exemplos teve?
Entendam que a discussão das 'Horas Voo' é bem diferente da discussão de treinamento excessivo, assim como a do 'trabalho duro'.
Um passeio de bicicleta no parque não pode contar como treino pesado e nem como trabalho duro, mas entra nas horas voo de um atleta. Ir até a padaria pedalando, mesmo que seja um passeio tão curto a ponto de não dar tempo nem de ligar o Strava para contabilizar naquele tempo total das atividades físicas, ainda conta como bagagem acumulada nas tais "horas voo".
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Quando um bando de crianças se encontra na quadra do prédio para passarem o tempo juntos e descem com as suas bikes só pra ficar ali brincando de empinar a roda ou mesmo que seja só pra usar o selim como assento e ter onde ficar apoiado na roda de conversa dos amigos - acreditem - conta como horas voo.
Aquele dia que você aceitou um desafio e foi andar de patins para experimentar um esporte novo também conta. É que as atividades paralelas desenvolvem uma parte muito importante da nossa musculatura, destreza e treinamento de noções espaciais, de equilíbrio, de pilotagens e várias outras faculdades mentais.
Atletas que experimentaram outros esportes antes de se dedicarem por completo no seu esporte profissional, apresentam boa desenvoltura e mais facilidade que os demais. As horas voo não precisam de especificidade, mas principalmente de abrangência.
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Todo este tema é perfeitamente indicado para os pais que sonham em ver os filhos prosperarem no esporte, seja profissionalmente ou não.
A criança que acumulou muitas horas de atividades físicas desenvolve com muito mais perfeição as suas características de saúde e de habilidades.
Todos sabemos o quanto é difícil aprender a tocar um piano ou andar de moto depois dos 20 anos de idade. Acontece que, quem teve contato com essas atividades durante a infância, vive uma facilidade geral para aprender atividades similares.
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Os músicos mais geniais são aqueles que dominam diversos instrumentos diferentes. Paul McCartney em sua carreira solo gravou um disco onde ele foi o único músico e gravou separadamente todos os instrumentos (piano, bateria, baixo, guitarra, voz, percussão etc). Renco Envenepoel acabou de ganhar a Vuelta a Espana e o Campeonato Mundial, mas o seu primeiro esporte foi o futebol. Nino Schurter quando tira férias da bike, sempre pratica - com maestria - outros esportes como wakeboard, snowboard, enduro e outros que demandam pilotagem, inclusive passeios de bike com a sua filha - isso é horas voo, tanto para o Nino, quanto para a sua filha.
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O esporte não é algo que acontece somente durante os treinos e competições na fase adulta, mas durante toda a vida de uma pessoa, em cada ida a padaria e bate papo com os amigos do prédio, mesmo que com as com as bikes só servindo de apoio mesmo.
Habilidade de pilotagem não é algo que só se ganha em uma aula, curso ou training camp, mas principalmente descendo aquela rampa mal construída que tem no caminho até a padaria, mesmo que esteja inserido em um pedal de apenas 500 metros.
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E o estilo de vida do esporte é algo se cultiva em cada dia na vida de uma criança - ver a bicicleta do pai que enfeita a sala, ver que a mãe sai para fazer a sua corrida matinal, comemorar a roupa nova que ele ganhou pra ir pedalar e poder usa-la para encontrar os amigos, mesmo que não seja para pedalar.
E o mais importante, depois disso tudo, ir pedalar, com qualquer intuito de diversão. E acumular cada vez mais Horas Voo.
07/10/2022