O ciclismo de estrada e as suas faculdades mentais

Andar de road não é tão simples - e também não é tão perigoso. O que é a alta velocidade e a minuciosidade do ciclismo de estrada afinal? - Por Breno Bizinoto

"Speed não é coisa pra quem anda distraído" - Escutei quando estava comprando a minha primeira road. Naquela época o pessoal ainda usava o termo 'speed' com mais frequência.

"Se for pra pedalar tirando foto e olhando o por do sol é melhor ficar só no MTB mesmo". Quem me falava isso era o Bitelo, em meados de 2008. Hoje ele é team manager do time de atletas da Specialized Brasil.

A verdade é que andar com aquela bike fininha em uma rodovia realmente não é uma tarefa pra quem está distraído. O objetivo ali não é curtir o dia e tirar fotos. Quando você sai pra andar de road o foco é total na bicicleta.

Percebi na prática quando atropelei pela primeira vez um tachão sinalizador na rodovia. Que adrenalina. A sua bike voa lá em cima, a sua mão sai do guidão e você se vira como um peão em um rodeio para não cair no chão.

Road é igual pilotar avião: não é errando que se aprende.

A verdade é que o ciclismo de estrada te ensina a lidar com dois fatores: detalhes e atenção.

Detalhes, por que, cada minuciosidade conta. Se você atropelar um palito de fósforo, dá pra sentir ele. E se estiver muito rápido em uma curva com a dianteira leve, é possível até que o palito te jogue no chão.

A assertividade da pilotagem nunca foi tão importante.

No ponto de vista da atenção, podemos subdividir essa faculdade mental em várias outras. O atleta de ciclismo de estrada desenvolve uma noção descomunal sobre o seu posicionamento dentro do pelotão. Vocês já ouviram a história de que o Peter Sagan veio competir as Olimpíadas de 2016 no MTB e largou em último lugar, mas depois de duas curvas ele ultrapassou quase 50 atletas e já estava liderando a prova?

Ninguém sabe até hoje como ele fez isso, mas é algo que os caras do road desenvolvem no seu jogo de xadrez dentro do pelotão. Eles observam os atletas e descobrem onde eles vão estar daqui 1, 3 ou 10 segundos. 

Visão periférica é mais uma subdivisão dos conhecimentos que os caras tem. Saber "varrer" todo o caminho a sua frente é algo primordial quando você está a 90 km/h em uma bicicleta sem suspensões. Eles enxergam qualquer cachorro que esteja muito distante da rota deles e consideram qualquer possibilidade de se cruzarem nas próximas frações de segundos.

O reflexo de um atleta quando vê um cachorro cruzando a estrada, carro, acidente ou outro elemento surpresa, se parece fictício até para qualquer diretor de cinema. Nenhum filme do homem aranha mostra um herói que tem o tempo de resposta tão curto quanto aos atletas de road quando se deparam com alguma intempérie à sua frente.

O ciclismo de estrada é a Formula 1 do mundo da bike. Esses atletas tem a maior noção possível de curvas, linhas, frenagens, posicionamento, reflexo, foco e atenção. Lidam com a alta velocidade igual um equilibrista lida com a altura.

Lembro de ler um artigo de um piloto de Downhill nos anos 2000 dizendo o quanto aquele esporte era complexo, pois exigia que eles praticassem outros dois esportes com muita frequência. Um deles era o motocross, para aprimorar a pilotagem e deixar os braços ainda mais fortes. O outro, era o ciclismo de estrada.

Durante muitos anos pensei que o motivo de os atletas de downhill praticarem ciclismo de estrada nada tinha a ver com a técnica, mas somente ao condicionamento físico e melhoria do sistema cardiorrespiratório. Que engano. Hoje, tenho certeza que ele não seria o mesmo atleta se fizesse aqueles treinos de road em uma bike indoor.

Os benefícios que este esporte veloz entrega para um atleta profissional ou amador são fáceis de sentir na pele e melhoram muito o que você consegue entregar nas outras modalidades.

Vamos sentir um pouco de vento na cara?